quarta-feira, 16 de março de 2011

Pássaros, Ratos e a difícil Arte-de-Não-Engolir-Sapos!!!


Lembrei deste texto ontem, e o encontrei abandonado em meus arquivos. Pensei em dar vida a ele de novo. Foi "ao ar" em 2007, impresso, e circulou pelos recintos da Universidade Federal de Alfenas... inclusive da reitoria...

"Quero tornar pública uma resposta que tem a intenção de servir como uma reflexão sobre posturas conservadoras e hostis em relação a trabalhos de natureza artística e cultural desta instituição. Essa publicidade deve-se ao fato de uma difamação pública de nosso Magnífico Reitor, na abertura da XII Semana de Biologia, que, aproveitando-se do protocolo que favorecia apenas sua fala, criticou o “rufo dos tambores” dentro desta instituição. Referiu-se à uma apresentação do grupo de Maracatu Muiraquitã ocorrida no dia 24 de agosto último, no espaço “Quinta Cultural” - um evento que procura justamente dar sentido ao espaço ali construído, e em um momento a este fim destinado. Ambas atividades, a Quinta Cultural e o Grupo de Maracatu, constituem ações de extensão desta “universidade”.

Não era o lugar, nem o momento para que um improviso como aquele viesse à tona na abertura da referida semana. Mas mesmo assim, e aproveitando-se de (ou ignorando) minha presença, nosso Magnífico Ambientalista não pensou duas vezes antes de deturpar um trabalho coletivo de mais de 2 anos. Disse que os tambores rompem com a harmonia no meio ambiente e que se sensibilizou ao ver, durante a apresentação de nosso grupo, um sabiá se debatendo contra os vidros da nossa instituição, amedrontado pelo barulho dos tambores. Todos os integrantes do projeto, além de muitos outros presentes nessa abertura, sentiram-se constrangidos pelo fato. Foi leviano, rasteiro e inoportuno.

Tal fato coincidiu (?) com uma carta me entregue pessoalmente por um professor doutor alguns minutos após essa mesma apresentação do dia 24, em que afirmava, dentre outras coisas, que a nossa batucada (sic), além de ter sido responsável pela morte de 4 ratos experimentais, devido ao efeito do ruído dos tambores sobre seu sistema cardiovascular, “impede qualquer atividade mental que queiramos desenvolver no laboratório, e conseqüentemente, somos obrigados a interromper nossas atividades na universidade”.

Reitero que provocações desse tipo precisam ser replicadas, pois representam posturas de intolerância, desrespeito e conservadorismo, que não combinam com o espírito acadêmico e humano, se estamos nos propondo a transformar, se não o mundo em que vivemos, pelo menos a universidade em que estamos.
Não vou adentrar em detalhes da resposta que encaminhei, em particular, a desfaçada carta do referido professor doutor. Mas, alguns pontos merecem ser comentados, pois não podem ser considerados como um fato isolado dentro de nossa instituição. Digo, em nome do grupo da batucada, que lamentamos profundamente pela interrupção das “atividades mentais” no entorno (sem adentrar em detalhes de seus méritos), mas também possuímos a nossa (não são apenas os “cientistas em jalecos” que usam suas mentes...) que, além de mental, emocional, física e espiritual, é, no caso da relacionada às apresentações, também pontual, com hora pra começar e pra terminar. Infelizmente, o “destino” colocou o palco de apresentações embaixo do palco, digo, laboratório, de outras pessoas, e reservou essa singela hora de quinta para apresentações artísticas. Recomendo que se usem tampões de ouvido (são excelentes para ruídos e podem estimular a atividade mental), e que se isole acusticamente alguns recintos - ou as premissas estabelecidas para as ações de Extensão Universitária - em toda sua abrangência e diversidade - exigirão que a administração desta instituição comprometa-se na construção/definição de outro local para apresentações culturais e artísticas. Em outras palavras: nós não interromperemos nossas atividades, e tampouco consideramos que tal interrupção venha a ser salutar para esta Universidade. Pelo contrário...

Uma Universidade que se preze deve zelar pela diversidade cultural, ainda mais quando essa se encontra em risco de extinção dentro do cenário cultural nacional. Nossa produção cultural resgata um folguedo afro-brasileiro que tem mais de 300 anos – o Maracatu de Baque Virado. Fazemos nosso trabalho com muito respeito e conhecimento sobre sua origem e dimensões. Fazemos em memória de uma cultura que vem sendo massacrada pelo lixo cultural produzido e reproduzido pelas indústrias da comunicação. Fazemos porque entendemos que uma Universidade que se preze deve cuidar da história de seu povo não apenas em museus, mas em seu dia-a-dia. “Museus são cemitérios”, disse Bob Dylan. Servem para prestar homenagem aos que se foram e ao que se foi. Nenhum reitor que mereça respeito desejaria ver, por exemplo, a última Congada (chulo: batucada) ativa de sua cidade em um museu – e já existiram 6 Congadas nesta cidade! Pergunto-me: como o velho pássaro de nosso reitor reagiria aos rufos dos tambores da Congada?

Pássaros, como pessoas, têm gostos musicais diferentes. Uns gostam de música clássica, outros de tambores, outros gostam do silêncio. Nossa instituição sempre gostou do silêncio, da tranqüilidade, da paz reinando calma. Nunca gostou de barulhos, agitos ou conflitos. Não possuem ouvidos para esses outros ritmos. Esse pobre e velho sabiá, acostumado ao ritmo calmo e tranqüilo, assustou-se e, de repente, viu-se debatendo contra os vidros de si mesmo. E o paradoxo: mesmo livre, era engaiolado. Outros pássaros não se importam e alguns ainda voam para outros cantos, aproveitando suas asas e lembrando-se de que sabem voar. Outros ainda dançam, como as muitas dezenas de andorinhas que no último ensaio da batucada, fizeram uma festa ali perto. Seus corações, como os nossos, são percussivos - os de outros, infelizmente, procuram o infarto, digo, o silêncio.

Agora um fato curioso (este não foi fruto de nenhuma imaginação estrategista): nessa última missa, de um ano de aniversário da nossa “universidade” (católica?!), um desses seres alados cagou no pessoal que estava ali embaixo...

Temos muito que aprender com os pássaros... muito mesmo"

2 comentários:

  1. Muito boa reflexão :) Estou te "seguindo" agora.. rs

    Beijos

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  2. Nossa. Que texto, hein!

    Pássaros são sábios... hehehehe

    Adorei. Mil beijos pra ti, querido!

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